NOSSOS FILHOS NÃO SÃO DEPÓSITOS DOS NOSSOS SONHOS
"Todo o bom
pai enfrenta a mesma tentação: guardar para si os filhos, fora do mundo, longe
do tempo." (Mia Couto)
Os filhos são nosso legado, a perpetuação de quem fomos; através deles
teremos a continuidade de nossa existência e de nosso amor, que nutrirão em
suas mais doces lembranças. São nossos bens mais preciosos, a razão de nosso
viver, o combustível que nos fortalece na luta diária, amor incondicional e
verdadeiro. Natural, portanto, querermos sempre o melhor para eles e termos
orgulho do que são, de suas conquistas, da pessoa em que aos poucos vão se
transformando.
No entanto, tendemos muitas vezes a nos concentrar demais nas suas vidas
e, com isso, paramos de prestar atenção em nós mesmos, no que somos além deles.
Assim, acabamos por projetar nos filhos tudo aquilo que é nosso: nossos sonhos,
nossos projetos, nossas verdades. Criamos expectativas em relação a eles, que
na verdade são expectativas nossas em relação a nós mesmos. Esperamos que os
filhos se tornem alguém que nós queríamos ser; desejamos que eles cursem a
faculdade que nós queríamos ter feito; ou seja, não raro transferimos aos
filhos a responsabilidade de viver o que nós não vivemos.
É difícil e dolorido olharmos para trás e encarar o
que não tivemos coragem de fazer, o que não tínhamos como pagar, o que não nos
foi permitido por nossos pais, o que não se disse, não se viveu, não se
realizou. Como não queremos que nossos filhos sofram, como
nós, o gosto amargo dos arrependimentos que teimam em nos perseguir, acabamos,
sem perceber ou querer, extrapolando os limites de uma orientação sadia,
impondo-lhes escolhas que cabem somente a eles. Para
muitos de nós, pais, é quase impossível conformar-se resignadamente com o fato
de que a vida é deles, os sonhos são deles, os erros - incontestavelmente
imprescindíveis - serão deles também.
Nossos filhos são pessoas que pensam, agem e vivem
de forma autônoma, possuem os próprios sentimentos, os próprios sonhos e
desejos. Carregam as verdades que construíram de acordo com o que sentem, com a
forma como lidam com o mundo à sua volta, e não necessariamente - raramente, na
verdade - seguirão caminhos iguais aos nossos ou aos que queremos. Lançar-se-ão
ao mundo, desfrutarão as alegrias, enfrentarão os dissabores, entregar-se-ão às
paixões, munidos de toda bagagem emocional acumulada à maneira deles e, por
mais que não se perceba ou não pareça, sempre haverá muito do pai e da mãe ali
em meio ao que os filhos carregam vida afora.
É natural nos preocuparmos com as suas escolhas, pois muitas vezes
enxergamos as consequências futuras com negatividade e queremos, a todo custo,
evitar-lhes frustrações. Não é fácil, por exemplo, assistir calmamente aos
filhos optando por profissões pouco rentosas, apaixonando-se por quem não nos
agrada, vestindo-se de uma maneira que nos choca, ouvindo músicas que ferem
nossos ouvidos. Nesses momentos, cabe aos pais perceberem se eles estão confortáveis
e felizes com aquilo, se não estão prejudicando outrem, porque nada deve
importar mais do que o bem estar e a felicidade deles.
Caso não estejam escolhendo caminhos ilegais, antiéticos ou autodestrutivos, é
preciso deixá-los conviver com as escolhas que fizeram e com os resultados
delas, por mais que isso doa.
Quanto mais vivermos a vida de nossos filhos como se fosse a nossa
própria vida, menos estaremos preparados para vê-los crescer e conquistar
independência, seja a financeira, seja a emocional. É natural e sadio orgulhar-se das conquistas e de quem os
filhos se tornaram, porém, pais que dependem tão somente disso para a
satisfação pessoal estarão irremediavelmente fadados a sucessivas quebras de
expectativas. Pautar a própria vida pelas medalhas, diplomas, desempenho escolar
e troféus dos filhos é despedir-se aos poucos de si mesmo, é fugir ao
autoconhecimento, que deve ser diário e que depende de olhar para si mesmo como
alguém que pensa, age e possui vontades e anseios só seus, intransferíveis.
Depositar nossos sonhos na vida de nossos filhos, para exibi-los como prêmios,
é sobretudo injusto, pois lhes retira o direito de serem o que são, de
respirarem o próprio viver.
Na verdade, não existem regras, manuais ou
instruções que nos indiquem seguramente como criar os filhos, principalmente
porque cada pessoa sente e reage de uma forma diferente ao que encontra pela
frente. Não fosse assim, irmãos criados pelos mesmos pais seguiriam o mesmo
caminho, fariam as mesmas escolhas, o que inclusive não ocorre nem com irmãos
gêmeos. Saber ponderar e diferenciar a orientação da imposição, o interesse da
intrusão, o conselho da ordem expressa ao lidar com nossos rebentos é tarefa
árdua, mas imprescindível para que consigamos vê-los se tornarem o que querem,
buscando a felicidade e lutando com segurança em meio aos reveses da vida. Tudo o que fizemos pelos nossos filhos estará sempre ali com eles,
guardado para ser usado na hora certa, com a sabedoria que lhes permitimos
desenvolver com nossos exemplos de vida. Inegavelmente, sempre teremos orgulho do que eles são,
porque então nos veremos nos seus olhos e teremos a certeza de que jamais
morreremos em suas memórias.
¹ Fundador e Autor do Blog: Eduardo
Campos, Técnico em Gestão Pública: Pedagogo, Esp. em Docência do Ensino Superior
– PROEJA e Educação em Saúde. Pesquisador do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia-GEPERUAZ/UFPA
² Fonte texto : Marcel Camargo: http://obviousmag.org/pensando_nessa_gente_da_vida/2015/nossos-filhos-nao-sao-depositos-de-nossos-sonhos.html#ixzz3xahjHQTL
³ Fonte imagem : http://www.intercambio7.com.br/sims-e-naos-para-seu-intercambio.jpg
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