"...Quanto
mais eles perdem memória, vigor, audição, mais sozinhos nos sentimos, sem
compreender por que o inevitável aconteceu. Pode até surgir alguma revolta
interior por esperar deles que reagissem ao envelhecimento do corpo, que
lutassem mais a favor de si, sem percebermos, na nossa própria desorientação,
que eles não têm a mesma consciência que nós, não têm como impedir a passagem
do tempo ou que possuem, simplesmente, o direito de sentirem-se
cansados..."
Nascemos filhos. E esperamos ser filhos para sempre. Mimados, educados,
amados. Que nossos pais invistam doses cavalares de amor em todo nosso caminho
pela vida. Que, quando a vida doer, haja um colo materno. Que quando a vida
angustiar, encontremos neles um conselho sábio. E, quando isso nos falta, há
sempre uma lacuna, um sentimento estranho de sermos exceção.
Mesmo adultos, esperamos reconhecer nossa meninice nos olhos dos nossos
pais. Desejamos, intimamente, atenções miúdas, como a comida favorita no dia do
aniversário ou a camiseta do time de futebol se estamos na casa deles.
Não estamos prontos para trocar de lugar nesta relação.
É difícil aceitar
que nossos pais envelheçam. Entender que as pequenas limitações que começam a
apresentar não é preguiça nem desdém. Que não é porque se esqueceram de dar o
recado que não se importam com a nossa urgência. Que pedem para repetirmos a
mesma frase porque não escutam mais tão bem - e às vezes, não está surdo o
ouvido mas distraído o cérebro. Demora até aceitarmos que não são mais os
mesmos - que dirá “super-heróis”? Não podemos dividir toda a nossa angústia e
todos os nossos problemas porque, para eles, as proporções são ainda maiores e
aí tudo se desregula: o ritmo cardíaco, a pressão, a taxa glicêmica, o
equilíbrio emocional.
Vamos ficando um pouco cerimoniosos por amor. Tentando poupar-lhes do
que é evitável. Então, sem querer, começamos a inverter os papéis de proteção.
Passamos a tentar resguardar nossos pais dos abalos do mundo.
Dizemos que estamos bem, apesar da crise. Amenizamos o diagnóstico do
pediatra para a infecção do neto parecer mais branda. Escondemos as
incompreensões do casamento para parecer que construímos uma família eterna.
Filtramos a angústia que pode ser passageira ao invés de dividir qualquer
problema. Não precisam preocupar-se: estaremos bem no final do dia e no final
das nossas vidas. Mas, enquanto mudamos esses pequenos detalhes na nossa
relação, ficamos um pouco órfãos. Mantemos os olhos abertos nas noites insones
sem poder correr chorando para a cama dos pais. Escondemos deles o medo de
perder o emprego, o cônjuge ou a casa para que não sofram sem necessidade e,
aí, estamos sós nessa espera; não há colo nem bala nem cafuné para
consolar-nos.
Quanto mais eles perdem memória, vigor, audição, mais sozinhos nos
sentimos, sem compreender por que o inevitável aconteceu. Pode até surgir
alguma revolta interior por esperar deles que reagissem ao envelhecimento do
corpo, que lutassem mais a favor de si, sem percebermos, na nossa própria
desorientação, que eles não têm a mesma consciência que nós, não têm como
impedir a passagem do tempo ou que possuem, simplesmente, o direito de
sentirem-se cansados.
Então pode chegar o dia em que nossos pais se transformem, de fato, em
nossos filhos. Que precisemos lembrá-los de comer, de tomar o remédio ou de
pagar uma conta. Que seja necessário conduzi-los nas ruas ou dar-lhes as mãos
para que não caiam nas escadas. Que tenhamos que prepará-los e colocá-los na
cama. Talvez até alimentá-los, levando o talher a sua boca.
E eles serão filhos piores porque lembrarão que são seus pais. Reagirão
as suas primeiras investidas porque sabem que, no fundo, você acha que lhes
deve obediência. Enfraquecerão seus primeiros argumentos e tentarão provar que
ainda podem ser independentes, mesmo quando esse momento tiver passado, porque
é difícil imaginarem-se sem o controle total das próprias rotinas. Mas cederão
paulatinamente, quando a força física ou mental reduzir-se e puderem encontrar
no seu amor por eles o equilíbrio para todas as mudanças que os assustam.
Não será fácil para você. Não é a lógica da vida. Mesmo que você seja
pai, ninguém o preparou para ser pai dos seus pais. E se você não o é, terá que
aprender as nuances desse papel para proteger aqueles que ama.
Mas, se puder, sorria diante dos comentários senis ou cante enquanto
estiverem comendo juntos. Ouça aquela história contada tantas vezes como se
fosse a primeira e faça perguntas como se tudo fosse inédito. E beije-os na
testa com toda a ternura possível, como quando se coloca uma criança na cama,
prometendo-lhe que, ao abrir os olhos na manhã seguinte, o mundo ainda estará
lá, como antes, intocável, para ela brincar.
Porque se você chegou até aqui ao lado dos seus pais, com a porta aberta
para interferir em suas vidas, foi porque tiveram um longo percurso de
companheirismo. E propor-se a viver esse momento com toda a intensidade só
demonstrará o quanto é grande a sua capacidade de amar e de retribuir o amor
que a vida lhe ofereceu.
¹ Fundador e Autor do Blog: Eduardo
Campos, Técnico em Gestão Pública: Pedagogo, Esp. em Docência do Ensino Superior
– PROEJA e Educação em Saúde. Pesquisador do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia-GEPERUAZ/UFPA
² Fonte texto : ANA LÚCIA GOSLING /obvious:
http://obviousmag.org/puro_achismo/2015/nao-estamos-preparados-para-sermos-pais-dos-nossos-pais.html#ixzz3xaeTRE4E
³ Fonte imagem : http://www.intercambio7.com.br/sims-e-naos-para-seu-intercambio.jpg
Um comentário:
Pura verdade, tive o prazer e a oportunidade de viver a experiência de cuidar de minha avó/mãe e foi a melhor decisão que tomei na minha vida. Faria tudo novamente com alegria e orgulho de ter sido bom filho.
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